Opinião - Patentes nos videojogos

Escrito por

Gonçalo "Melgacius" Carvalho

Data de publicação

06 Abril 2021 09:00

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Quando recentemente a Warner Brothers finalmente conseguiu patentear o Nemesis System, houve imensa discussão online sobre a legitimidade que essas patentes efectivamente têm, já que muitas vezes os jogos são construídos sobre uma base decalcada doutros jogos. A franquia Middle Earth também sofre desse problema, pois todo o sistema de luta parece uma cópia doutros. O argumento atirado é que não é justo para outros desenvolvedores não poderem aplicar o mesmo sistema e melhorá-lo. Algo muito curioso disto é que ao mesmo tempo estávamos a jogar o The Medium, jogo em que jogamos em duas realidades ao mesmo tempo… mecânica que também foi patenteada pela Bloober Team sem que aparentemente alguém se importasse.

Esta malta é rata velha!

Na realidade as patentes no mundo dos videojogos são bastante antigas, começando mesmo com Pong, dos jogos mais antigos alguma vez criado, e sem parar desde então.

As patentes têm uma duração de 20 anos, logo durante esse tempo há uma grande protecção sobre o artigo patenteado. O argumento múltiplas vezes usado é que a patente sobre software prejudica a inovação e desenvolvimento criativo dos videojogos, no entanto sempre considerei esse argumento um bocado falacioso. Da maneira como as patentes são executadas apenas as cópias directas serão penalizadas, e eu até argumentaria que as patentes funcionam como uma ferramenta criativa, já que os desenvolvedores têm que encontrar formas originais de as contornar. Por exemplo, a SEGA patenteou o uso de uma seta a indicar o caminho quando por cima dum carro, uma imagem que associamos de imediato a Crazi Taxi, e não se coibiu de colocar em tribunal a Eletronic Arts e o desenvolvedor Radical Games após a cópia óbvia da mecânica em The Simpsons Road Rage. Chegaram posteriormente a acordo fora dos tribunais. Apesar disso os jogos de corridas em mundo aberto logo encontraram uma forma de contornar essa limitação, criando novas formas de orientar o jogador, a mais conhecida de todas a linha colorida no chão. Arrisco dizer, com grande dose de segurança, que a técnica da setinha está completamente ultrapassada ou, na melhor das hipóteses, funciona em jogos pontuais. Este foi um desses casos em que a impossibilidade de copiar uma mecânica levou à inovação.

A maneira muito concisa como uma patente é feita dá muito espaço a que se mude uma coisa ou outra dentro do mesmo conceito. A Bioware patenteou o design gráfico dos diálogos em Mass Effect. Essa patente ainda está activa mas isso não impediu múltiplos RPG de usarem técnicas similares para reproduzirem os diálogos entre os personagens.

Há outras patentes completamente inócuas. A Midway chegou a patentear o desbloqueio de segredos com um periférico específico, algo que não me parece que tenha criado algum problema a quem quer que fosse, ou impedisse alguma inovação fantástica que não envolvesse extorquir algum dinheiro ao jogador.

A problemática do hardware.

Quando o elemento em questão envolve hardware, a questão muda. Foi muito falada a patente do D-Pad pela Nintendo, que era tão, mas tão bom que influenciou imensas gerações de comandos. Enquanto a patente esteve activa as outras companhias tiveram sempre de encontrar uma alternativa a esse desenho emblemático. Hoje em dia isso já não acontece, mas na altura ninguém brincava com isso, veja-se a SEGA que teve de ter o botão direccional quadrangular com a Master System e redondo a partir daí.

Existiu também uma patente com o feedback háptico colocada pela Immersion que causou imensos problemas à Microsoft e à Sony, ambas colocadas em tribunal pois usaram esse sistema com os seus comandos da PS2 e Xbox original. A Microsoft acabou por chegar a um acordo extra judicial, já a Sony levou com uma multa de 90.7 milhões de dólares e uma ordem para não produzir mais material com feedback Háptico. Curiosamente surgiu um problema na era da PS3, onde a Sony disse que era uma feature incompatível com o hardware. Imagine-se a coincidência. Este imbróglio ainda se arrasta nos tribunais após alguns recursos.

Então no caso do hardware é sim difícil ser o engraçadinho e tentar dar a volta pela porta do cavalo. Aqui sim pode dar-se o caso de impedir o progresso dos materiais e criar um monopólio assente numa ideia, contudo quando é uma matéria palpável as pessoas parecem não se insurgir tanto.

Em que é que ficamos?

Eu serei sempre da opinião que a propriedade intelectual deverá ser protegida. Acho que ninguém gosta de ver a sua invenção roubada e copiada sem a justa retribuição. Não creio que é isso o impedimento ao progresso. As ideias verdadeiramente boas merecem ser recompensadas e se existir uma maneira de as melhorar, certamente alguém o irá perceber e criar o seu próprio conceito sem a infracção duma patente.

Patentes sempre existiram e sempre vão existir. A indústria dos videojogos não será excepção, e eu acho bem. Quero melhores jogos, mais criativos, não quero cópias. Há sempre uma tendência de quem desenvolve de saltar para a nova moda, criando molhadas de jogos decalcados num curto espaço de tempo até surgir outra moda que substitua a anterior.

Todos terão de se adaptar. A inovação terá de continuar de braço dado com os entraves a ela causados.

Fontes: Gamasutra; GamesRadar +; Vice