The Medium

Escrito por

Gonçalo "Melgacius" Carvalho

Data de publicação

02 Março 2021 15:00

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Provavelmente não estarão à espera de começar por ler uma análise com o crítico a dizer que não queria jogar o jogo, mas aqui foi exactamente o que aconteceu. Não queria jogar The Medium, não gosto de jogos assustadores, esse é o trabalho do João. No entanto este jogo era da esfera Xbox e portanto calhou-me. Maltinha, o jogo pode ser muita coisa, mas assustador não é uma delas.

Mal se começou a falar no The Medium, uma das conversas recorrentes era o pedigree da Bloober Team no género de horror psicológico, mas se formos a pensar bem este estúdio polaco “apenas” lançou 4 jogos dentro do género, e embora favoravelmente recebidos talvez o que conseguiu mais elogios da crítica nem seja o seu jogo de cartaz, pois se toda a gente os associa a Layers of Fear, guiando-me pelos sites agregadores de análises, o seu melhor jogo é o Observer. Certo que ao longo desses jogos foram aprendendo e mudando um bocado o seu setup, tentando fugir ao facilitismo do susto fácil, investindo mais na história, puzzles e mecânicas. Mais uma vez acho que a grande exposição dada a este jogo, associada à grande falta de exclusivos da Xbox, poderá tê-lo prejudicado. Então e prejudicou?

Uma ode à superficialidade

Nesta altura do campeonato já toda a gente ouviu falar neste jogo. The Medium foi um dos jogos de cartaz da Xbox, um jogo que prometia a possibilidade de jogar em dois mundos ao mesmo tempo, algo impossível na geração anterior de consolas, mas que na prática acaba por ser apenas uma curiosidade gira para o jogador que gradualmente perde um bocado a novidade consoante se vai tornando intrínseca à resolução dos puzzles. Eu admito que estava a pensar que os dois mundos estariam activos permanentemente, mas acabamos por apenas os jogar em paralelo em pequenas partes do jogo, tornando esta curiosidade algo ainda mais acessório ao desenrolar da história em si.

E a história? Outro problema tenho de admitir. Pouco após começarmos o jogo recebemos uma chamada onde nos prometem explicar a nossa condição de médium se nos encontrarmos com uma pessoa em determinado local. Nesse local aconteceu um evento e todo o resto do jogo tentamos encontrar uma explicação para ele ao mesmo tempo que tentamos perceber a origem da nossa condição. Gostaram da forma como fui preciso e concreto?

A primeira coisa que notei foi que a câmara tinha ângulos fixos que eu não controlava. Campainhas a soar de imediato na minha cabeça. Estão a controlar os ângulos para me espetarem com um susto dum local qualquer que eu não estou à espera ou a ver, ou para fazerem alguém seguir-me sem que eu me consiga virar e vê-lo. Na realidade o jogo é apenas uma experiência super contida e controlada, vou exagerar, mas quase que se joga como um walking simulator. Por exemplo, nem sequer conseguimos saltar. Pode parecer algo mundano, mas se desse para saltar neste jogo todos os níveis teriam de ser redesenhados para nos impossibilitar de passar por cima dum pequeno galho, dum murinho ou mesmo duma parede invisível. Estamos constantemente a ser bombardeados com essas limitações, e mesmo locais onde parece que podemos escolher para onde ir, se formos para o lado errado encontramos uma parede um pouco mais à frente ou, na melhor das hipóteses, um coleccionável qualquer.

Nesta fase ainda estamos à espera dos sustos, já que a nível sonoro o jogo se preza muito a isso. Parece que se sente nos ossos a tensão, pelo menos nessa fase inicial. Todos os sons são excelentes, os curtos momentos musicais aparecem nos locais certos e, tão ou mais importante que todo isso, os momentos de silêncio criam um ambiente de cortar à faca… pelo menos até percebermos que nada acontece.

Mesmo na sua melhor versão, onde temos de saltar entre dois mundos para os resolver, os puzzles são relativamente simplistas. No fundo limitamo-nos a ir até onde dá, saltarmos de mundo, descobrir novo item, voltar atrás. Não tem nada que saber. Além disso o jogo não nos deixa avançar se nos esquecermos de algo, por isso nunca avançamos muito somente para recuar. Os puristas não vão gostar disso, mas coitados dos puristas se jogarem este jogo…

Nem só durante os puzzles não te deixam avançar se não tiveres tudo, há momentos em que se te desvias ligeiramente do rumo percebes que alguma coisa vai acontecer no sítio em que te encontras e percebes logo a solução para isso, no entanto o script do jogo é tão rígido que nesse momento não podes fazer nada. Podes ter apenas que dar 3 ou 4 passos mais para a frente ou mais para o lado, mas se não os tiveres dado, nada nesse cenário funciona.

Quando percebi que dificilmente me iria assustar, acabei por me deixar levar pelo jogo que, admito, é muito imersivo, e é essa a razão que não me faz perceber algumas decisões de design. Por exemplo, há múltiplas cutscenes em que temos de cortar um determinado objecto que nos barra o caminho, e em todas elas o objecto que usamos como faca aparece sozinho no ar, fora da nossa mão. Porque não colocaram a mão? Outra é a forma super estranha como fizeram a barba dos personagens, destoa completamente do resto do jogo. Pensei que nesta altura do campeonato meter barba na cara dum boneco não fosse assim tão complexo, especialmente olhando a todos os outros elementos gráficos, mas se é assim tão difícil de fazer, mais-valia não a terem posto. Todos estes pequenos elementos poderiam passar algo despercebidos se o jogo fosse mau, ou o ambiente mal caracterizado, mas neste caso saltam à vista por destoarem.

Nas horas iniciais do jogo passamos o tempo a fazer missões triviais, historietas individuais que interessam para pouco ou nada. Servem para justificar alguns puzzles, gradualmente acrescentarem uma visão periférica da história e ambiente, mas estive a um passo de passar o jogo para o lado. Não sei como reforçar isto, dois terços do jogo são duma trivialidade que mete dó, e não vi qualquer utilidade nele nesta altura.

E eis que, de repente, tudo muda

Até que se dá um evento e o jogo começa a desenvolver aos magotes. A partir daqui tudo corre. A informação vem a bom ritmo, queremos mais, percebemos a história, o desenlace e reviravoltas são imprevisíveis e satisfatórios, chegamos à parte do jogo que realmente queremos, contudo… ficamos sempre com um amargo de boca com a forma como este abanão na história começa. Claro que percebo que era preciso um acontecimento muito forte para despoletar a cadeia de eventos, mas fica sempre aquela sensação de ter sido atirado de forma algo gratuita e sem contexto, e mesmo na fase em que o tentam explicar, não explicam bem.

Num jogo que nos quer a prestar atenção a todos os detalhes, a ter medo pela nossa sobrevivência, The Medium tem uma opção estranhíssima, pois muito cedo e de forma completamente descontextualizada, nos mete no futuro a narrar a história. Estas acções após explicadas podem ser muito inteligentes, só que isso não invalida o facto de ter passado o jogo tranquilo baseado nessa opção. Para mim não fez nenhum sentido da forma como nos foi apresentado, e retirou toda a tensão que esta segunda parte do jogo poderia ter.

O dinamismo desta segunda fase até permitiu algumas liberdades criativas, que em muitos momentos me fizeram lembrar o primeiro Resident Evil que joguei na Sega Saturn. Gostei mesmo muito desta parte, mesmo mantendo o facilitismo da parte anterior. Não dá para nos perdermos, e a única coisa onde possivelmente nos poderia surgir alguma dúvida, o nosso personagem verbaliza que temos de a fazer.

Tudo começa com uma rapariga morta

The Medium é uma mostra tecnológica. Com este jogo a Bloober Team quis mostrar o que consegue fazer e provavelmente conseguir os fundos para fazer o jogo que realmente quer fazer. Aqui temos um passo intermédio em que tiveram que adequar a história às mecânicas e não o contrário, sendo que isso deixou imensa coisa por explicar. Constantemente fui assolado por questões, muitas delas não respondidas mesmo após a conclusão do jogo, uma ou duas directamente associadas às mecânicas do mundo duplo. De certa forma o jogador espera que um jogo tenha mais que 10 horas e isso levou a que muito desse tempo fosse completamente acessório à trama, obrigando todo o sumo a condensar-se na parte final, essa sim muito entusiasmante. Ficou desequilibrado nesse contexto. Outras decisões criativas cortaram um bocado da tensão, o que acaba por ser contraproducente num jogo de horror psicológico. A componente sonora é superlativa, o enquadramento aceita-se. Tudo junto torna este jogo um muito competente… jogo de detectives. Isso mesmo. Passem para trás das costas a cena do terror. Abram a mente e encarem o jogo pelo que realmente é, não pelo que esperavam que fosse. Claro que muita gente pode ir ao engano mas quanto a isso, batatas!

  • Lançamento: 28 de Janeiro de 2021
  • Plataformas: PC/Xbox
  • Desenvolvedor: Bloober Team
  • Editora: Bloober Team
  • Nota Pessoal: 7/10
  • Jogo analisado com uma chave para Game Pass Ultimate gentilmente cedida por Xbox Portugal
  • Analisado na versão para PC